Confira parecer da Comissão de Ética e Defesa Profissional da SOBED que aborda sedação em pacientes
fonte: SOBED
Trata-se de questionamento proveniente de Médico Endoscopista Titular da SOBED (Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva), do Capítulo da SOBED do Estado de Minas Gerais, em que se indaga sobre “quem está capacitado para realizar sedação para procedimentos diagnósticos e terapêuticos em Endoscopia Digestiva e como se comportar frente a RESOLUÇÃO DO CFM no 2174/2017, que revoga a Resolução CFM no 1802/2006, que determina a necessidade de atualização e modernização da prática do “Ato Anestésico”.
Inicialmente, é fundamental refletirmos que:
“É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,
atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”
(Art. 5o, inciso XIII, da Constituição Federal).
A Lei n° 3.268/57, que dispõe sobre os Conselhos de Medicina,
estabelece:
Art. 17. Os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades,
pós o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no MEC e de sua inscrição no CRM,
sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade.
O CFM já se manifestou, sobre o tema, por meio de pareceres dentre
os quais listo abaixo:
• Parecer CFM n° 17/04:
EMENTA – Os Conselhos Regionais de Medicina não
exigem que um médico seja especialista para trabalhar em
qualquer ramo da Medicina, podendo exercê-la em sua
plenitude nas mais diversas áreas, desde que se
responsabilize por seus atos e, segundo a nova Resolução
CFM n° 1.701/03, não as propague ou anuncie sem
realmente estar nelas registrado como especialista.
• Parecer CFM n° 21/10:
EMENTA: O médico devidamente inscrito no Conselho
Regional de Medicina está apto ao exercício legal da
medicina, em qualquer de seus ramos; no entanto, só é
lícito o anúncio de especialidade médica àquele que
registrou seu título de especialista no Conselho.
Como se pode observar, o médico inscrito regularmente no CRM no qual atua, poderá exercer a Medicina em qualquer dos seus ramos ou especialidades, sendo responsável exclusivo por seus atos.
De outra parte, lembramos que o paciente precisa estar atento ao buscar um especialista, verificando se a especialidade anunciada figura no rol definido pela Resolução CFM no 2.221/18, que homologa a relação das especialidades e áreas de atuação médicas reconhecidas pela Comissão Mista de Especialidades.
Embora o Código de Ética Médica (CEM) explicite que não existe impedimento legal para que Médicos com situação regularizada perante o CRM executem qualquer procedimento médico, concordamos plenamente que somente o Título de Especialista, fornecido pela AMB / Sociedade de Especialidade correspondente (obtido através de prova / concurso) ou pelo CFM / CNRM (obtido pelo registro no CRM da certidão de Residência Médica reconhecida pelo MEC) confere a capacitação técnica para exercer (e divulgar) determinada Especialidade Médica.
No tocante à capacitação do médico Endoscopista para realizar a sedação, acessar a via área e o atendimento a intercorrências decorrentes da sedação, esta é inquestionável. Tal capacitação faz parte da formação do médico Endoscopista, tanto nos programas de Residências Médicas reconhecidas pela CNRM-MEC, quanto nos Centros de Treinamento da SOBED.
Devemos considerar que a sedação não é um ATO ANESTÉSICO, nem ato médico restrito ao Médico Anestesiologista. Profissionais médicos de áreas distintas de formação e conhecimento atuam em suas especialidades praticando a sedação para procedimentos médicos.
Podemos citar como exemplo, os médicos intensivistas, com formação clínica ou cirúrgica, cardiologistas de unidades coronarianas e hemodinâmica, médicos de diversas especialidades que atuam nas Emergências e no atendimento em ambulâncias, na Medicina Paliativa e demais áreas do conhecimento médico.
As normas de segurança para o ato anestésico, emanadas na Resolução do CFM no 2.174/2017, que revoga a Resolução CFM no 1.802/2006, determinam a necessidade de atualização e modernização da prática do Ato Anestésico, considerado que é dever do médico guardar absoluto respeito pela vida humana, não podendo, em nenhuma circunstância, praticar atos que a afetem ou concorram para prejudicá-la.
Por outro lado, em seu Artigo 5º, item a, a Resolução do CFM inclui a sedação, que não é considerado um ATO ANESTÉSICO em toda sua complexidade, como ATO ANESTÉSICO e dispõe:
Art. 5o Considerando a necessidade de
implementação de medidas preventivas voltadas à
redução de riscos e ao aumento da segurança
sobre a prática do ato anestésico, recomenda-se que:
a) a sedação/analgesia seja realizada por médicos,
preferencialmente anestesistas, ficando o
acompanhamento do paciente a cargo do médico
que não esteja realizando o procedimento que exige
sedação/analgesia.
Antes de nos debruçarmos sobre este tópico, gostaríamos de nos ater às definições de ato anestésico e sedação/analgesia, no tocante ao trabalho do Endoscopista e o disposto na legislação vigente que diferencia sedação/analgesia de ato anestésico.
A primeira definição, nacional, emana dos pontos presentes na RDC nº 6 de 10 de março de 2013 – ANVISA – MS, os quais dispõem sobre os requisitos de Boas Práticas de Funcionamento para os Serviços de Endoscopia com via de acesso ao organismo por orifícios exclusivamente naturais.
Em seu Capítulo 1, Seção III – Definições, Artigo 3º, versa:
XII – sedação consciente: nível de consciência obtido com o uso de medicamentos,
no qual o paciente responde ao comando verbal ou responde ao estímulo verbal isolado ou
acompanhado de estímulo tátil;
XIII – sedação profunda: depressão da consciência
induzida por medicamentos, na qual o paciente dificilmente
é despertado por comandos verbais, mas responde a
estímulos dolorosos
Seguido do Capítulo II Seção I, Artigo 4º:
II- serviço de endoscopia tipo II: é aquele que, além dos
procedimentos descritos no inciso I do Art. 4o, realiza ainda
procedimentos endoscópicos sob sedação consciente, com
medicação passível de reversão com uso de
antagonistas;
III- serviço de endoscopia tipo III: serviço de endoscopia que,
além dos procedimentos descritos nos incisos I e II do Art.
4o, realiza procedimentos endoscópicos sob qualquer tipo
de sedação ou anestesia.
E finalmente, no Capítulo II Seção II, Artigo 16º:
Para a realização de qualquer procedimento
endoscópico, que envolva sedação profunda
ou anestesia não tópica são necessários:
I – um profissional legalmente habilitado para a
realização do procedimento endoscópico; e
II – um profissional legalmente habilitado para
promover a sedação profunda ou anestesia, e
monitorar o paciente durante todo o procedimento
até que o paciente reúna condições para ser
transferido para a sala de recuperação
Em consonância com segunda definição, o consenso científico internacional demonstra farta evidência, do que destacamos a publicação da American Society for Gastrointestinal Endoscopy, 2018 – Guideline for sedation and anestesia in GI endoscopy, que conceitua o tema em tela nos parâmetros abaixo:
– a sedação consciente ou moderada pode ser
administrada com segurança por endoscopistas em
pacientes que são classificados como ASA I,II ou III;
– a sedação consciente ou moderada realizada por
Anestesiologistas quando comparada aquela realizada
pelo Endoscopista habilitado, não tem impacto positivo nos
indicadores de qualidade dos exames endoscópicos;
– O custo da sedação realizada por Anestesiologista é
maior que a realizada por Endoscopistas habilitados.
Podemos constatar, diante do conteúdo exposto acima, que existe uma clara distinção entre sedação/analgesia (sedação moderada ou consciente) com drogas passíveis de reversão e sedação profunda ou anestesia. De acordo com a referida RDC, legislação em vigor na presente data, faz-se necessário um segundo profissional médico legalmente habilitado para monitorar o paciente durante todo o procedimento até que o paciente reúna condições para ser transferido para a sala de recuperação apenas e exclusivamente nos casos que envolve sedação profunda/analgesia.
Isto, ao nosso entender, nos casos de sedação/analgesia consciente ou moderada, com uso de drogas passiveis de reversão, implica que a sedação/analgesia pode legalmente ser realizada pelo médico endoscopista que está realizando o procedimento.
Acreditamos que o disposto na Resolução da ANVISA-MS, e, a melhor evidencia científica sobre o tema, conflita com o Artigo 5o da Resolução no 2.174/2017 do CFM, que recomenda que “a sedação/analgesia seja realizada por médicos, preferencialmente anestesistas, ficando o acompanhamento do paciente a cargo do médico que não esteja realizando o procedimento que exige sedação/analgesia”.
Entendemos que, ao recomendar a presença de um segundo profissional médico habilitado para promover a sedação consciente e monitorar o paciente, pode ser interpretada por diversos entes públicos ou privados, como obrigação e impactará fortemente na prática da Endoscopia Digestiva Brasileira e das demais especialidades a ela relacionadas, tanto no Sistema Único de Saúde, quanto na Saúde Suplementar, chegando ao ponto de inviabilizar a prática de endoscopia e demais especialidades que atuam com sedação consciente em grande parte do território nacional.
No nosso país de dimensões continentais e situações as mais diversas, não existem recursos humanos ou financeiros para disponibilizar dois profissionais médicos, tecnicamente habilitados, para realizar todos os exames endoscópicos, diagnósticos ou procedimentos terapêuticos, sob sedação ou analgesia.
A recomendação de dois médicos especialistas, para realizar uma sedação consciente, em todos os procedimentos endoscópicos diagnósticos ambulatoriais de curta duração, é inviável de ser aplicada igualmente em todo o território Nacional, agravado pela distribuição desigual de especialistas.
Acreditamos que esta situação se amplifique em grande escala, se considerarmos todas as especialidades que praticam sedação consciente no seu cotidiano.
Do mesmo modo, os recursos financeiros para pagamento de dois especialistas em sala, para exames diagnósticos ambulatoriais de curta duração, em pacientes sem indicação de anestesia/sedação profunda pela escala ASA, em procedimentos considerados de baixo risco para o paciente, inviabilizariam as fontes pagadoras pelo custo elevado para a Saúde Suplementar e recursos escassos no Sistema Único de Saúde, já atualmente combalido.
Devemos enfatizar a diferença entre um exame endoscópico diagnóstico de curta duração, no qual a sedação consciente/moderada é realizada com drogas passíveis de reversão pelo médico endoscopista, daqueles procedimentos endoscópicos terapêuticos prolongados ou complexos, nos quais já está recomendado, pela literatura médica mundial, a sedação profunda ou anestesia.
Neste último caso, concordamos plenamente com a recomendação de um segundo médico, tecnicamente capacitado, para realizar a anestesia e monitorar o paciente. Ratificamos que são procedimentos distintos, com recomendações e níveis de segurança diversos.
Diante do acima exposto, consideramos que a Sedação Consciente/moderada com drogas passíveis de reversão (por definição), pelas características das drogas empregadas e dos níveis de consciência, sem necessidade obrigatória de acesso à via aérea do paciente, poderão ser realizadas por médicos endoscopistas com Título de Especialista obtidos através de prova promovida pela SOBED/AMB ou aqueles com Título emitido pelo CFM através do registro no CRM da Certidão de Residência Médica fornecido pela CNRM-MEC, pois estão tecnicamente habilitados e seus conhecimentos testados através da prova para o Título de Especialista para realizar a sedação consciente/moderada e o atendimento às intercorrências decorrentes da sedação.
Chamamos a atenção que durante o período de formação do treinee dos Centro de Treinamento da SOBED ou médicos residentes em Endoscopia pelo Concurso do MEC, estes possuem em sua grade curricular e prática médica, temas relacionados à legislação, tipos de sedação, drogas a serem ministradas (incluindo seus reversores), temas sobre abordagem de via aérea difícil. Além desta formação obrigatória, a SOBED promove a oferta de cursos teóricos/práticos de Suporte Avançado de Vida em Endoscopia (SAVE) com tópicos de PCR/RCP de alta qualidade, via aérea difícil, uso de dispositivos supraglóticos e conduções em arritmias/IAM.
Acrescentamos que, no certame para ingresso do candidato a Membro Titular da Sociedade, o mesmo é avaliado, nestes temas, tanto em avaliação teórica como na prática (testado in loco a prática da sedação).
Chamamos a atenção que a sedação consciente/moderada com drogas passíveis de reversão, efetuada pelo médico endoscopista que está realizando o procedimento endoscópico de curta duração, não implica aumento de riscos para o paciente nos quais está indicado o procedimento ambulatorial, atestado pela prática dos endocopistas que já atuam, com baixíssimas intercorrências nas últimas décadas.
O médico Endoscopista com Título de Especialista está tecnicamente qualificado para diferenciar os procedimentos nos quais pode atua sob sedação consciente por ele mesmo administrada, daqueles que necessitam de um segundo médico tecnicamente qualificado para administrar a anestesia e monitorar o paciente, como, por exemplo, idosos com múltiplas comorbidades descompensadas, neonatos, crianças e procedimentos terapêuticos complexos.
Nos procedimentos complexos ou de longa duração, realizados sob sedação profunda/anestesia, concordamos com o CFM sobre a recomendação de um segundo médico tecnicamente capacitado para realizar a anestesia e monitorar o paciente.
Conclusões:
1. A segurança do paciente, não está prejudicada, na sedação consciente/moderada feita pelo médico endoscopista que realiza o procedimento diagnóstico de curta duração ambulatorial em pacientes que atendam os critérios de endoscopia digestiva ambulatorial, em ambiente de trabalho que detenham todas as condições para a prática endoscópica, em concordância com as normas da ANVISA, MS e CFM;
2. Nos casos nos quais está indicada a sedação profunda, por critérios de comorbidades, complexidade ou duração do ato endoscópico, deverá haver em sala um segundo profissional tecnicamente habilitado para administrar a sedação profunda/anestesia e monitorar o paciente durante o ato endoscópico;
3. O médico especialista em Endoscopia (aprovado na prova de título da SOBED/AMB ou Título de Residência Médica credenciada pelo MEC e registrado no CFM) está tecnicamente habilitado a realizar sedação, não necessitando ser novamente testado, pois assim já foi realizado;
4. A Sedação moderada com drogas passiveis de reversão não é um Ato Anestésico e pode ser realizada por profissionais médicos tecnicamente capacitados.
Dra. Ana Maria Zuccaro – RJ
Presidente da Comissão de Ética e Defesa Profissional – SOBED
Dr. Sylon Ribeiro de Britto Júnior – BA
Membro da Comissão de Ética e Defesa Profissional – SOBED
Membro da Comissão de CET (Centros de Ensino e Treinamento) – SOBED
Coordenador do SAVE (Suporte Avançado à Vida Em Endoscopia) – SOBED