Desde 2015, a SOBED entrou na luta contra o câncer colorretal com a realização de mutirões de exames de colonoscopia pelo Brasil. A iniciativa, inicialmente através da Comissão de Mutirões e de Prevenção do Câncer Colorretal e depois pela Comissão de Ações Sociais da SOBED Nacional, tem como objetivos divulgar e conscientizar a população sobre a prevenção do câncer colorretal, com identificação e tratamento de lesões pré-cancerosas ou o câncer em fase precoce.
Dr. Ronaldo Taam, ex-presidente da SOBED-RJ, participou de diversas edições do mutirão e diz que os dados de incidência e mortalidade do câncer de cólon e reto (CCR) no Brasil são alarmantes, assim como a falta de divulgação e de conhecimento da doença, que apresenta mais de 40 mil casos novos por ano em nosso país.
“É o 2º câncer mais frequente, tanto no homem quanto na mulher. As estimativas do INCA para 2020 demonstram um número total de 41.010 casos novos, sendo 20.540 em homens (ultrapassando o câncer de traqueia, brônquio e pulmão) e 20.470 no sexo feminino (atrás do câncer de mama), o que representa 9,1% e 9,2% de todas as neoplasias (exceto de pele não melanoma), respectivamente, em cada grupo. Mas, infelizmente, o Brasil não implantou ainda um programa nacional de prevenção de câncer de cólon e reto. Por isso, temos que encarar como um desafio: enfrentar as dificuldades, planejar, colocar em prática as ações e corrigir as condutas sempre que necessário, fazendo o que é possível”, afirma.
O diagnóstico em fases mais avançadas também acarreta pior prognóstico e maiores custos relacionados a procedimentos diagnósticos e terapêuticos (cirurgia, quimioterapia, radioterapia), como explica Dr. Ronaldo:
“Existe a prevenção primária, na qual orientamos sobre a alimentação, o controle do peso corporal e a prática de atividade física, e a prevenção secundária, que consiste no rastreamento das lesões neoplásicas. Para tal, precisamos formar uma rede de colaboração ou uma força-tarefa, com a participação de diversas especialidades com a endoscopia digestiva, gastroenterologia, coloproctologia, oncologia clínica, cirurgias oncológica e abdominal, entre outras. Ao analisarmos a história natural do câncer de colón, observamos que ele se encaixa perfeitamente nos critérios para que seja feito um rastreamento, o que consiste em identificar pessoas assintomáticas dentro de uma população. Com o diagnóstico e o tratamento (através da polipectomia ou outro método de ressecção) de uma lesão pré-maligna, você pode mudar a história natural da doença. Os objetivos principais desse rastreamento são reduzir a incidência e a mortalidade do câncer de cólon e reto. Vemos todos os dias, nos hospitais e ambulatórios, pacientes sem queixa alguma e que acham desnecessária a realização do exame. Entretanto, é justamente nessa fase o melhor momento de diagnostica e tratar. Na grande maioria dos casos, a doença começa como uma lesão neoplásica não maligna, que é o pólipo adenomatoso ou serrilhado. Depois, quando o paciente passa a apresentar sinais e sintomas, como, por exemplo, sangramento digestivo ou alteração do hábito intestinal, isso já pode ser sinal de que a lesão esteja em estágio avançado. Por isso, o benefício para o paciente e para a saúde pública que essa detecção seja precoce, com melhor prognóstico e menor custo do que o tratamento da doença em fase mais avançada.”
Os programas de rastreamento podem ser realizados de 2 modos:
- oportunista- quando há indicação do médico para um paciente individualmente, sendo oferecido o procedimento de colonoscopia, considerado como padrão-ouro e;
- organizado- nesse caso a abordagem é de uma grande população e há necessidade de uma seleção de pacientes. A maioria dos programas dessa categoria se baseia na pesquisa do sangue oculto nas fezes e na colonoscopia.
Outra questão relevante é a necessidade de testes de rastreamento eficazes no país. Hoje, o mais comum é o teste da pesquisa do sangue oculto nas fezes, porém, o mais recomendado seria a incorporação do teste de sangue oculto pelo método imuno-histoquímico (FIT), o que é raro no Brasil.
“Se eu tenho um teste ruim, pode haver um resultado falso positivo e vou indicar uma colonoscopia em uma pessoa que não precisaria fazer, ou seja, ela vai se submeter a um exame invasivo, sem necessidade. Se, no entanto, o teste desse falso negativo, não seria feito o exame e o paciente poderia evoluir para um câncer. Ou seja, se vou selecionar uma população, eu tenho que ter um teste minimamente confiável. Uma vez com um teste positivo, aí sim partiríamos para uma próxima etapa, que seria a colonoscopia. Diante disso, dependemos do endoscopista para realizar uma colonoscopia de qualidade, desde o preparo de cólon até o exame completo, com a identificação das lesões e a retirada precisa das mesmas. Vale lembrar que a colonoscopia é um procedimento operador dependente e que novas tecnologias têm sido incorporadas no auxílio da detecção e identificação das lesões. Esse é um programa organizado que depende muito do apoio do nosso sistema de saúde, o SUS, da atenção básica. Nós precisamos equipar os hospitais; qualificar, treinar e remunerar adequadamente os médicos, enfermeiros e todos os profissionais de saúde; garantir todo suporte cirúrgico e oncológico para os casos mais avançados e realizar esse acompanhamento de modo contínuo”, declara.
No Brasil, é recomendado o rastreamento a partir dos 50 anos de idade. No entanto, Dr. Ronaldo relata que nos Estados Unidos começaram a ser diagnosticados casos em faixas etárias mais baixas e discute-se iniciar a partir de 45 anos. Essa atitude gerou bastante preocupação e aponta também para a importância da avaliação de custo-efetividade, o que recentemente foi mostrado em um estudo da Universidade de Stanford. Estas análises são a chave para a obtenção de melhores resultados com menores custos, ressalta:
“Essa análise é usada para comparar estratégias de custos por ganho de ano de vida com qualidade. Múltiplas análises de programas de rastreamento de CCR realizadas ao redor do mundo sugerem que diversas modalidades apresentaram-se com excelente relação de custo-efetividade. Os limites são calculados pelo PIB per capita e dependem dos cenários e dos recursos disponíveis. Nos EUA, os limites seriam entre US$ 100,000-150,000 por ano de vida com qualidade ajustada e os estudos de programas de prevenção mostram valores bem abaixo dos US$ 100,000. Esse mesmo estudo revelou um limite de US$ 25,000-50,000 para o Brasil, no mesmo grupo de países como o Reino Unido, Portugal, República Tcheca, Hungria e Coréia do Sul. Cada país deve fazer a sua análise e estabelecer os seus limites. No nosso continente, Uruguai, Chile, Paraguai estão com seus programas organizados de redução da mortalidade pelo câncer colorretal já em curso”, conclui.
Uma proposta inicial para implantação de um Programa Nacional de Prevenção do Câncer de Cólon e Reto já foi realizada pela Câmara Técnica de Endoscopia Digestiva do CREMERJ, da qual Dr. Ronaldo faz parte. Foi encaminhado documento para a Secretaria de Atenção Primária, do Ministério da Saúde.
Leia, na íntegra, a proposta enviada:
Dr. Ronaldo Taam é fellow da Sociedade Americana de Endoscopia Gastrointestinal (ASGE) e do Colégio Americano de Gastroenterologia (ACG); membro titular da SOBED e FBG; ex-presidente da SOBED-RJ; e faz parte do staff do Serviço de Endoscopia do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG/Unirio), onde também é responsável pela Residência Médica.