Perfil: Dr. Gilberto Mansur

Ao longo dos últimos anos, a SOBED-RJ vêm fazendo matérias especiais mostrando grandes referências da Endoscopia Digestiva fluminense. Desta vez, falamos com o Dr. Gilberto Reynaldo Mansur, associado titular e ex-presidente da SOBED-RJ no período de 1990 a 1992.

Carioca, Dr. Mansur é neto de imigrantes libaneses, por parte de pai, e neto de espanhóis, pelo lado materno. Nasceu em 1º de dezembro de 1952 e passou grande parte de sua infância no Colégio Santo Inácio (colégio jesuíta), onde ingressou no 1º ano (primário) e cursou até o último ano (3º científico). Da escola, partiu para a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado da Guanabara (UEG), no ano de 1972, sendo diplomado em Medicina em 1977, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Seu primeiro mentor na profissão foi o saudoso padrinho de batismo, Dr. Renato Bello Moreira, tisiologista (especialista em tuberculose) e epidemiologista, diplomado em 1933, sobre o qual fala com muito carinho:

“Dr. Renato professava e transmitia sua visão do médico de família, especialidade que tanta falta faz hoje em dia, sepultada pela medicina das máquinas e da alta tecnologia. Como vim a ser no futuro para minha família e de outras famílias a mim ligadas por laços de parentesco, ele era a referência da saúde na nossa família, do resfriado ao câncer. Sem o conselho dele, nada acontecia”, recorda.

Dr. Mansur também foi muito estimulado por um primo querido, já falecido, que fez com que ele desde cedo projetasse para si uma carreira semelhante, de médico do interior do Brasil.

“Meu primo, Dr. Armando Rodrigues Gomes, foi diplomado pela Faculdade Nacional de Medicina em 1963 e era um desbravador da Medicina de interior, numa pequena cidade ao leste de Minas Gerais (Nanuque), junto ao norte do Espirito Santo e sul da Bahia. Ao fim do 2º ano da faculdade, passei quase dois meses das férias na casa dele, situada em frente ao hospital construído por ele e seu irmão. Entre as consultas básicas de adultos, mulheres e crianças, partos, cirurgias eletivas e de emergência, braços e pernas quebrados, acidentes em estradas, chifradas de touro, brigas de marido e mulher, crianças doentes, disputas de terras e gado resolvidas na ponta da faca, tomei contato com a realidade da Medicina “no meio do mato” e da importância do médico neste cenário”, enfatiza.

Através desses exemplos, Dr. Gilberto se dedicou a aprender na prática, e claro, sempre se baseando em dados teóricos, obtidos por meio de incontáveis livros e periódicos lidos nas horas vagas em casa. Os livros abordavam as quatro especialidades básicas da Medicina Geral: Clínica, Cirurgia, Ginecologia-Obstetrícia e Pediatria.

Em paralelo, também contou com a forte tradição da sua faculdade, a UERJ, e do Hospital Universitário Pedro Ernesto, de onde recebeu a sua formação por clínicos de excelência, tendo como professores: Américo Piquet Carneiro, Jayme Landman, Lafayette Pereira, Luiz Feijó, Edgar de Magalhães Gomes, Aloysio Amancio, dentre inúmeros outros da Clínica Geral e das especialidades clínicas.

Segundo Dr. Mansur, logo veio o gosto pelos plantões:

“Enveredei pelo caminho do trabalho em plantões nas outras áreas. Estagiei três anos em Ginecologia e Obstetrícia, dois anos em Traumato-Ortopedia e Acidentes do Trabalho, quatro anos em Cirurgia Geral, dois anos em Cirurgia de emergência nos pronto-socorros do Hospital Souza Aguiar e Paulino Werneck, um ano em Cardiologia e Unidade Coronariana, um ano em Pediatria e três anos em Terapia Intensiva”, ressalta.

Já no 6º e último ano da faculdade, ele recorda que se viu diante de um dilema: optar por uma especialidade ou usar os conhecimentos para uma prática generalista no interior:

“Veio a necessidade de aprimorar-me em Cirurgia. Fugi dela pois não me imaginava de pé, durante horas a fio, numa intervenção difícil e demorada. Preferia soluções mais rápidas. Além disso, já casado, a opção de embrenhar-me “no mato” não agradava a esposa…Era a Medicina ou ela…(risos). Diante do dilema, busquei uma especialidade que unisse a clínica (a que tinha muito apreço, estudava e praticava) e procedimentos “armados”. Daí veio minha opção por ser gastroenterologista clínico e endoscopista. O que sou até hoje!”, lembra.

Ao final de 1977, surgiram três oportunidades de residência para Dr. Mansur: no Serviço de Gastroenterologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE/UERJ), no Serviço de Gastroenterologia do Hospital do Andaraí (INPS) e no Serviço de Clínica Médica do Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE). Neste último, passou em 2º lugar na prova escrita, havendo 15 vagas para residente de 1º ano (R1), como relembra:

“Fui colocado no 16º lugar na entrevista, portanto fora. Talvez por ser carioca (que tem fama de preguiçoso…), casado, cabeludo, andar de calça jeans, camiseta e sandálias, um “tipo” indesejado pelo rígido (e escravizador…) chefe do Serviço (risos). Na UERJ e no Andaraí, passei em 1º lugar. Minha opção foi pelo Pedro Ernesto, não só por ser minha casa como também por ser o único Serviço que formava residentes em Gastroenterologia e também em Endoscopia Digestiva. Já conhecia o Serviço e seus membros e essa escolha foi um dos grandes passos da minha vida. Ali conheci meu mentor, mestre, guru e amigo de uma vida, Dr. Edson Jurado da Silva, um dos melhores médicos que já conheci, por todas as suas qualidades: estudioso até a exaustão, excelente clínico, com um tirocínio ímpar, endoscopista preciso, humano, sério e de uma imensa honestidade e retidão. Nunca sonegou qualquer tipo de conhecimento, truque ou tática para seus alunos e residentes. No mesmo Serviço, tive a preceptoria do meu amigo de décadas, Dr. Alexandre Abrão Neto, que tinha a função especial de “endireitar” o caminho dos residentes! E ainda mais, do meu especial amigo, Dr. José Augusto da Silva Messias, que na época dedicava parte do seu tempo à Gastroenterologia (era do Serviço de Clínica Médica e do CTI). Messias ensinou-me a fazer a “volta em U”!”, relembra com carinho.

Dr. Mansur também ressalta que nesta época (1978 e 1979) os exames eram realizados em aparelhos flexíveis de fibra ótica, para esofagogastroduodenoscopia, colonoscopia e também CPER, e aparelhos rígidos para laparoscopia:

“Havia serviços de Endoscopia Digestiva em alguns outros hospitais públicos (os ligados ao INPS, depois INAMPS: Ipanema, Lagoa, Bonsucesso, Andaraí, Cardoso Fontes), o dos Servidores e o Hospital Universitário da UFRJ (Fundão). A endoscopia privada não tinha bases hospitalares, sendo praticada pelos endoscopistas autônomos nos diversos hospitais. A figura do endoscopista (principalmente na madrugada das hemorragias digestivas…) era a do médico, vestido de branco, com a mala do fibroscópio numa mão e a fonte de luz na outra…. Nesta atividade privada comecei em 1981”, comenta.

O ingresso na SOBED, como membro aspirante, foi em 1979 por influência de seu chefe na residência, Dr. Edson Jurado. Em 1983, passou a membro titular, após obter o título de especialista. E, mais adiante, tornar-se-ia presidente da SOBED-RJ, no biênio 1990-1992.

“Todo meu aperfeiçoamento profissional foi nos incontáveis congressos, seminários, jornadas, cursos e demais eventos organizados pela SOBED, os quais frequentei como participante desde 1980 e como convidado desde 1985. A exceção a esta fonte de conhecimentos e atualização foi meu estágio como observador, no ano de 1991, no Memorial Sloan Kettering Cancer Center, de New York (EUA), para onde me dirigi na busca de aprendizado em ultrassonografia endoscópica e uso de LASER em endoscopia”.

Em 27 de dezembro de 1979, ingressou por concurso no quadro de oficiais do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro, como 1º tenente médico. Lá, trabalhou como clínico geral até julho de 1991 quando foi inaugurado o Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Central Aristarcho Pessoa, o qual chefiou até a sua aposentadoria, como coronel médico, em 2001.

O divisor de águas de sua carreira foi o ingresso no Instituto Nacional de Câncer (INCA), em 16 de setembro de 1984, oriundo do INAMPS, onde era clínico geral concursado em 1982:

“Fui cedido para a Campanha Nacional de Combate ao Câncer, do Ministério da Saúde. Trabalhei sempre como endoscopista e no mesmo Serviço, que vagou por várias dependências do prédio da Praça da Cruz Vermelha, até sua definitiva e atual localização. Lá, conheci outro médico vital na minha formação e carreira: Dr. Jurandir de Almeida Dias, que me acolheu desde o primeiro dia, A ele devo a maior parte, senão toda, de meus conhecimentos em endoscopia oncológica, notadamente em esôfago e vias bileopancreáticas.”

Segundo Dr. Mansur, o Dr. Jurandir era um “cirurgião e endoscopista de primeiríssima grandeza”, o qual passou a ser o seu amigo de décadas, sempre em busca da perfeição e das boas práticas. Inclusive, ele relembra que teve a honra de poder ensinar ao amigo e mestre, anos depois, alguns novos procedimentos incorporados ao arsenal da Endoscopia Digestiva.

“Chefiei o Serviço de dezembro de 2007 a outubro de 2012 e no INCA fui doutorando no Programa de Pós-Graduação em Oncologia, defendendo minha tese de doutorado em Oncologia, no dia 9 de janeiro de 2015. Curiosamente, fui, até a época da defesa, o doutorando mais velho desde o início do programa”, comenta Dr. Mansur.

Ainda no INCA e a partir de 2011, baseado em seu desejo de difusão dos conhecimentos em endoscopia digestiva oncológica, iniciou, em conjunto com o Instituto de Câncer do Estado de São Paulo e o Hospital de Câncer de Barretos- SP, o Encontro Nacional de Endoscopia Oncológica (ENEO), evento que permanece ativo em reuniões anuais, alternando em cada ano o INCA e o ICESP.

Endoscopista e gastroenterologista por formação, Dr. Mansur, não esconde a experiência especial na Área de Endoscopia Digestiva Oncológica e a gratidão por todos os amigos que fez ao longo do caminho, em especial, ao saudoso Dr. Glaciomar Machado, seu amigo pessoal e grande referência, a quem prestou uma homenagem durante o webinar realizado em 6 de dezembro de 2021, em conjunto pela AGRJ e pela SOBED-RJ:

“A história da endoscopia, da SOBED e do Dr. Glaciomar se confundem o tempo todo, estão intimamente interligadas. Ele foi, talvez, uma das pessoas mais importantes do nosso país no sentido de agregar, ensinar e divulgar. Ter sido escolhido para fazer uma palestra sobre a história da Endoscopia Digestiva e os feitos do querido Glaciomar me encheu de orgulho”.

Sobre os próximos passos, Dr. Mansur finalizou:

“Hoje permaneço ativo na clínica privada e, como costumo dizer, repetindo um famoso cantor e compositor brasileiro, “o artista vai aonde o povo está”! Tenho uma coleção de crachás de hospitais privados”. (risos)