Autoras:
- Bárbara Cathala Esberard
Médica da Disciplina de Gastroenterologia e Endoscopia do Hupe/ UERJ; supervisora do ambulatório de DII da UERJ, Mestre em Ciências médicas pela UERJ, Membro Titular da SOBED, FBG e GEDIIB - Fabiana Sartore
Membro titular da SOBED; Médica serviço de endoscopia Hospital Samaritano Botafogo; Médica Serviço de endoscopia Casa de Saúde São José 
Cápsula endoscópica:
Dispositivo que dispõe de microcâmera capaz de fazer sequências de fotos, permitindo a nítida visualização da mucosa. Exame padrão ouro para a avaliação da mucosa do intestino delgado de forma não invasiva.
Objetivo:
Diagnosticar doenças do intestino delgado localizadas entre a papila de Vater e a válvula ileocecal, segmento longo e de difícil acesso do trato gastrointestinal (TGI).
Contraindicações:
- Obstrução/ suboclusão intestinal conhecida: contraindicação absoluta
 - Suspeita de obstrução intestinal ou fístula: realizar exame de imagem (enterografia por RM ou TC) ou cápsula de patência previamente
 - Hemorragia maciça: por dificuldade na identificação da causa do sangramento
 - Anatomia alterada (Y Roux): enteroscopia assistida deve ser 1ª escolha
 - Gestação: faltam estudos
 - Marcapasso, dispositivos eletromagnéticos implantáveis: não são mais considerados contraindicação.
 - Dificuldade de deglutição: não é uma contraindicação, pois a cápsula pode ser posicionada por um dispositivo diretamente no duodeno
 

Figura 1 (arquivo pessoal): dispositivo para posicionamento da cápsula por endoscopia
Quando indicar?
- Sangramento de origem obscura (sangramento do intestino médio), incluindo a anemia ferropriva
 - Doença de Crohn
 - Suspeita de tumores do delgado e acompanhamento de síndromes polipoides
 - Síndromes disabsortivas
 - Doenças inflamatórias e infecciosas
 
Qual o preparo para o exame?
O preparo varia de acordo com o serviço, mas é indispensável o jejum de 8h. É sugerida dieta sem resíduo e clara na véspera do exame, associada à simeticona. Pode-se associar laxantes osmóticos. Na nossa experiência, evitamos manitol, pois o líquido intestinal fica escuro. O uso de procinéticos tem efeito de acelerar a saída da cápsula do estômago.
Como iniciar o exame?
Após o jejum, coloca-se um cinto no abdome do paciente que está ligado ao gravador de imagem e a cápsula é engolida com água e simeticona.
Pode-se posicionar a cápsula por endoscopia nos casos de incapacidade de deglutição, volumosas hérnias de hiato e nos portadores de anatomia alterada.
Oficialmente, o exame começa quando a cápsula alcança o duodeno. O paciente deve permanecer na clínica /ambulatório durante esse período. Na nossa prática, caso a cápsula permaneça no estômago durante 60 minutos, administramos procinético oral e após 120 minutos, realizamos endoscopia para posicionar a cápsula no duodeno, reduzindo o risco de um estudo incompleto.
Quando encerrar o exame?
O exame termina quando a cápsula alcança o cólon, que pode ser avaliado pelo real time do gravador, ao término da bateria (cerca de 12h) ou caso o paciente identifique a eliminação da cápsula nas fezes.
O que é cápsula de patência?
Dispositivo formado por bário e lactose que tem mesma dimensão e peso da cápsula endoscópica e é radiopaco. Permite avaliação de estenoses do intestino delgado, prevenindo a retenção da cápsula. São realizadas radiografias de abdome seriadas para acompanhar sua eliminação. Caso não alcance o cólon em 30h, o material dissolve e está confirmada a presença de estenose.

Figuras 2 e 3 (arquivo pessoal): cápsula de patência e identificação por radiografia
Como iniciar a prática de cápsula endoscópica? O que as sociedades médicas recomendam?
Ter experiência prévia em endoscopia e colonoscopia.
Participação em cursos: 50% hands-on.
Realizar exames supervisionados por endoscopista experiente:
- ESGE: 30-50 exames supervisionados
 - ASGE: mínimo 20 exames supervisionados
 
Nossa sugestão: assistir vídeos curtos, acompanhar todo o procedimento, discutindo indicações, contraindicações, riscos, achados dos exames e correlação clínica. Treinar normatização de laudos.
Como elaborar um bom laudo de enteroscopia por cápsula?
Utilizar escores e classificações bem definidos:
- Classificação de Saurin para portencial hemorrágico (P0-3)
 - Classificação de Yano-Yamamoto para lesões vasculares do delgado
 - Capsule Endoscopy Crohn’s Disease ActivityIndex (CECDAI)
 - Classificação SPICE (Smooth Protruding lesion Indexat Capsule Endoscopy), para diferenciar lesão protusa (prega inocente x lesão subepitelial)
 
Estabelecer a relevância clínica dos achados no sangramento. O laudo define se o paciente será encaminhado para endoscopia terapêutica, cirurgia ou seguirá em acompanhamento clínico.
Estimativa de localização (tempo de trânsito do delgado): auxilia a terapêutica.
Sangramento do intestino médio:
Corresponde entre 5-10% das causas de sangramento do TGI. Pode se apresentar com sangramento oculto ou visível. Neste caso há maior acurácia do exame se realizado em até 48h do sangramento.
CE é o exame de primeira linha na investigação do sangramento do intestino médio para pacientes estáveis hemodinamicamente e sem suspeita de obstrução intestinal. O termo sangramento obscuro fica reservado aos casos em que a etiologia não foi identificada após toda a avaliação do TGI.
Repetir EDA e colono deve ser considerada conforme achados clínicos e qualidade dos exames realizados. O guideline japonês sugere a realização de tomografia de abdome antes da CE.
Em pacientes acima de 60 anos, as angioectasias são a principal causa do sangramento e as doenças inflamatórias predominam nos pacientes abaixo de 40 anos. Lesão de Dieulafoy e neoplasias estão na 2a e 3a posição para os dois grupos.

Figuras 4 e 5 (arquivo pessoal): angioectasias (Yano 1b)

Figura 6 (arquivo pessoal). Lesão de Dieulafoy com sangramento ativo (Yano 2b)
Divertículo de Meckel (DM):
Pacientes jovens com sangramento maciço, considerar DM com mucosa gástrica ectópica ulcerada. O diagnóstico pode ser feito por cintilografia com Tc99 pertecnetato, cápsula endoscópica ou enteroscopia assistida por balão.

Figuras 7,8 e 9 (arquivo pessoal): DM identificado pela cápsula, úlcera em mucosa gástrica ectópica; peça cirúrgica
Doença de Crohn (DC):
A CE pode ser utilizada para o diagnóstico da DC, análise da sua extensão e controle de cicatrização da mucosa após o tratamento. Quadro clínico sugestivo associado a marcadores inflamatórios aumentam a chance de enteroscopia positiva.
Exames de imagem como enterografia por RM ou TC têm a capacidade de avaliar o componente extra luminal da DC e afastam estenoses ou fístulas. Na suspeita de estenose, podemos utilizar exame de imagem ou a cápsula de patência.
A CE é superior que os exames de imagem para a identificação das lesões proximais e lesões superficiais da mucosa. Em casos selecionados, o diagnóstico da DC é feito apenas pela enteroscopia por cápsula.
Escores endoscópicos utilizados: Lewis e o CECDAI.

Figuras 10, 11, 12 e 13 (arquivo pessoal): doença de Crohn em atividade

Figura 14 (arquivo pessoal): doença de Crohn em cicatrização

Figura 15 (arquivo pessoal): estenose na doença de Crohn
Diagnóstico diferencial das doenças inflamatórias intestinais do delgado:
Infecção por citomegalovírus (CMV), enteropatia por AINEs, Doença de Behçet

Figuras 16 e 17 (arquivo pessoal): lesões por antiinflamatórios

Figura 18 (arquivo pessoal): úlcera por CMV
Poliposes com acometimento no intestino delgado:
A polipose adenomatosa familiar apresenta risco aumentado de neoplasia no delgado, principalmente no duodeno. CE está indicada na presença de escore de Spilgeman III ou IV durante a endoscopia digestiva alta, para pacientes sintomáticos ou em pré-operatório.
A Síndorme de Peutz- Jeghers, doença autossômica dominante, cursa com pólipos hamartomatosos em todo o TGI (exceto o esôfago) e lesões mucocutâneas típicas. Os pólipos do delgado aparecem na infância e a primeira intussuscepção ocorre por volta dos 16 anos, com indicação de cirurgia. Endoscopia digestiva alta, colonoscopia e estudo do delgado estão indicados a partir dos 8 anos com seguimento a cada 2-3 anos para os assintomáticos.

Figuras 19, 20, 21 e 22 (arquivo pessoal): S. Peutz Jeghers
Tumores do delgado:
Tumores malignos mais frequentes:
- Tumores neuroendócrinos (TNE)
 - Adenocarcinoma – mais comum no duodeno
 - Linfoma
 - Lesões metastáticas: melanoma, pulmão, ovário, estômago e cólon
 

Figuras 23, 24, 25 e 26 (arquivo pessoal): TNE identificado por CE e durante cirurgia

Figura 27 (arquivo pessoal): adenocarcinoma
Tumores benignos:

Figura 28 (arquivo pessoal): GIST

Figuras 29 e 30 (arquivo pessoal): tumor miofibroblástico inflamatório ulcerado
Síndromes disabsortivas refratárias:
A CE pode ser indicada para casos de doença celíaca refratária, não só para avaliação da mucosa em toda extensão, mas para avaliação de complicações como linfoma e adenocarcinoma do delgado. Também pode auxiliar no diagnóstico diferencial, de outras síndromes disabsortivas como a Doença de Whipple, a doença linfoproliferativa do intestino delgado (IPSID) e a macroglobulinemia de Waldenstron.

Figura 31: macroglobulinemia de Waldenstron
Referências :
1 – Mishkin DS, et al. Technology Assessment Committee, American Society for Gastrointestinal.Endoscopy. ASGE Technology Status Evaluation Report: wireless capsule endoscopy. Gastrointest Endosc. 2006 Apr;63(4):539-45.
2 – Mizutani Y, et al. Specific characteristics of hemorrhagic Meckel’s diverticulum at double-balloon endoscopy. Endosc Int Open. 2017 Jan;5(1):E35-E40.
3 – Paredes A, Esberard BC. Doença de Crohn do intestino delgado. In: Averbach M. SOBED – Tratado Ilustrado de Endoscopia Digestiva. 2024. Thieme Revinter. Cap. 54.
4 – Rondonotti E, et al. Small-bowel capsule endoscopy and device-assisted enteroscopy for diagnosis and treatment of small-bowel disorders: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) Technical Review. Endoscopy. 2018 Apr;50(4):423-446.
5 – Rosa, B.,et al. Scoring systems in clinical small-bowel capsule endoscopy: all you need to know! Endoscopy International Open. 2021; 9(6):C6.
6 – Sidhu Reena et al. Small-bowel endoscopy curriculum. Endoscopy 2020; 52
7 – Spada Cristiano et al. Small-bowel endoscopy: ESGE performance measures. Endoscopy 2019; 51.
8 – Van Leerdam M et al.ESGE – Endoscopic management of polyposis syndromes. Endoscopy2019;51:877–95.
9 – Yamamoto H et al.Clinical Guidelines for diagnosis and management of PJS in children and adults. Digestion 2023; 104 (5):335-47.

