Abordagem Endoscópica Atualizada na Esofagite Eosinofílica

por ÉLIO CASTRO (@dr.eliocastro)

TITULAÇÃO: Clínica Médica pela UFRJ; Gastroenterologista pela UERJ; Membro Titular da SOBED; Membro Titular da FBG; Mestre em Ciências Médicas pela UERJ; Doutor em Ciências Médicas pela Fiocruz; Supervisor do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Glória D’Or; Professor de Gastroenterologia do Estratégia MED

Abordagem Endoscópica Atualizada na Esofagite Eosinofílica

  1. Introdução

A esofagite eosinofílica (EEo) é uma doença inflamatória crônica do esôfago, mediada por mecanismos imunológicos do tipo 2, que tem apresentado um aumento significativo na incidência e prevalência global em crianças e adultos. Estudos recentes estimam uma prevalência de 1 a cada 1.500 indivíduos na população ocidental, com impacto crescente nos custos de saúde devido à necessidade de endoscopias frequentes para diagnóstico e manejo da doença (Dellon e cols., 2020; Hirano e cols., 2022).

Clinicamente, a EEo manifesta-se por sintomas de disfunção esofágica, como disfagia, impactação alimentar e dor retroesternal, muitas vezes confundidos com refluxo gastroesofágico. O diagnóstico depende da presença de infiltrado eosinofílico no tecido esofágico (>15 eosinófilos por campo de grande aumento), associado a achados endoscópicos típicos e à exclusão de outras causas de eosinofilia esofágica (Dellon e cols., 2018). A doença está frequentemente associada a outras alergias do tipo 2, como asma, rinite e atopias cutâneas, predominando em indivíduos do sexo masculino.

O prognóstico da EEo está diretamente relacionado ao diagnóstico precoce e ao manejo adequado. Sem tratamento, a doença pode evoluir para um fenótipo fibroestenótico, caracterizado por anéis esofágicos e estenoses que comprometem significativamente a qualidade de vida do paciente (Schoepfer e cols., 2013). Neste contexto, o sistema de escore endoscópico EREFS (Endoscopic Reference Score) desempenha um papel crucial, permitindo a padronização da avaliação endoscópica e facilitando tanto o diagnóstico quanto o monitoramento da resposta terapêutica.

  1. EREFS: Sistema de Referência Endoscópica na Esofagite Eosinofílica

O Endoscopic Reference Score (EREFS) foi introduzido em 2013 (Hirano e cols.) como uma ferramenta padronizada para avaliar a atividade endoscópica da EEo. O sistema objetiva descrever e quantificar os achados endoscópicos típicos da doença, facilitando o diagnóstico, a monitorização da resposta terapêutica e a caracterização do fenótipo inflamatório ou fibroestenótico. Estudos subsequentes validaram sua aplicabilidade em adultos e crianças, demonstrando alta reprodutibilidade interobservador e correlação com achados histológicos.

O uso sistemático do EREFS é recomendado em todas as endoscopias realizadas para diagnóstico ou acompanhamento de pacientes com suspeita ou diagnóstico confirmado de EEo. Ele complementa os achados histológicos e permite avaliar a atividade da doença.

2.1 Parâmetros do EREFS:

  • Edema (redução do padrão vascular): marcador de inflamação ativa.
  • Anéis (ou traquealização): indicativos de remodelamento fibroestenótico.
  • Exsudatos (placas brancas): associados a inflamação grave.
  • Sulcos verticais: frequentemente relacionados à atividade inflamatória.
  • Estenoses: sinal de progressão fibroestenótica.

Estudos multicêntricos demonstraram que o EREFS possui alta especificidade (>90%) para diagnosticar EEo em pacientes não tratados com inibidores da bomba de prótons (IBPs) (Ribeiro e cols. 2024). Além disso, exsudatos e sulcos mostraram maior correlação com eosinofilia tecidual, enquanto anéis e estenoses são mais prevalentes em fases avançadas fibroestenóticas. Diante da presença de estenose, recomenda-se colocar o diâmetro ao final da classificação.

A classificação EREFS, com a respectiva pontuação de cada achado, está na figura 1.

Figura 1: EREFS modificada – adaptado de Hirano e cols. Gut, v. 62, n. 4, p. 489-495, 2013.

Veja algumas imagens endoscópicas compatíveis de EEo, com sua respectiva classificação EREFS:

Figura 2: Imagem endoscópica sugestiva de EEo (Fonte: arquivo pessoal do autor). Classificação EREFS: E1R2Ex1F1S0
Figura 3: Imagem endoscópica sugestiva de EEo (Fonte: arquivo pessoal do autor). Classificação EREFS: E1R3Ex0F1S1 (no caso dos aneis dificultarem a progressão do aparelho, isso dever ser classificado como estenose).
Figura 4: Imagem endoscópica sugestiva de EEo (Fonte: arquivo pessoal do autor). Classificação EREFS: E1R0Ex2F1S0.
  1. Biópsias Esofágicas

A diretriz da ASGE de 2022 trouxe orientações detalhadas sobre a realização de biópsias esofágicas para o diagnóstico da EoE. Essa diretriz também reforça a necessidade de realizar biópsias mesmo num contexto de emergência endoscópica (durante um episódio de impactação alimentar), aumentando a oportunidade diagnóstica desses pacientes.

3.1 Número e Local de Biópsias

A EoE é uma doença com padrão inflamatório irregular, o que exige múltiplas amostras para aumentar a sensibilidade diagnóstica. A diretriz da ASGE recomenda a coleta de pelo menos seis biópsias, distribuídas entre o esôfago proximal, médio e distal. Amostras apenas do esôfago distal podem perder até 20% dos casos diagnosticáveis (Collins e cols., 2008). Estudos demonstraram que:

  • Com apenas uma biópsia, a sensibilidade diagnóstica é de cerca de 55%.
  • Com seis biópsias, a sensibilidade aumenta para 100% (Gonsalves e cols., 2006; Nielsen e cols., 2014).

A diretriz também enfatiza a importância de direcionar as biópsias para áreas visualmente alteradas, como regiões com edema, sulcos ou exsudatos. No entanto, mesmo mucosa aparentemente normal deve ser biopsiada, já que até 30% dos pacientes com EEo podem apresentar endoscopia normal (Dellon e cols., 2018).

Além disso, é recomendado evitar áreas próximas ao local de impactação alimentar recente ou regiões com lesões agudas que possam interferir na análise histológica.

Em casos suspeitos de gastroenterite eosinofílica, biópsias do estômago e duodeno também podem ser realizadas.

  1. Aspectos Histopatológicos

O diagnóstico histopatológico é estabelecido pela presença de ≥15 eos/cga, em pelo menos uma biópsia esofágica (Dellon et al., 2018; ASGE, 2022). Este limiar é considerado o padrão para diferenciar a EEo de outras condições que causam eosinofilia esofágica.

A redução para <15 eos/cga indica melhora inflamatória, enquanto valores <6 eos/cga são considerados um marcador de sucesso terapêutico completo (Hirano e cols., 2020). Essa abordagem quantitativa é complementada por outros achados histopatológicos que fornecem informações sobre a atividade inflamatória e o remodelamento tecidual.

Entre os parâmetros adicionais avaliados pelo patologista, destacam-se:

  • Microabscessos eosinofílicos: agregados de eosinófilos na mucosa esofágica, frequentemente associados à inflamação ativa.
  • Hiperplasia da camada basal: espessamento do epitélio basal (>20% da espessura total), um marcador de inflamação crônica.
  • Elongação das papilas: extensão das papilas dérmicas em direção à superfície epitelial, indicando remodelamento tecidual.
  • Espongiose epitelial: edema intercelular no epitélio, característico de fases agudas da doença.
  • Degranulação eosinofílica: Liberação de proteínas tóxicas pelos eosinófilos, como a proteína básica maior (MBP), que contribuem para o dano tecidual.
  1. Seguimento Terapêutico

O tratamento da EEo visa reduzir a inflamação esofágica, aliviar os sintomas e prevenir complicações fibroestenóticas. As opções incluem intervenções farmacológicas, dietas de eliminação e, mais recentemente, imunobiológicos. Contudo, não há estudos comparativos diretos (head-to-head) que estabeleçam uma hierarquização clara entre as modalidades, sendo essencial a individualização do tratamento com base nas características clínicas e preferências do paciente. Cabe destacar que, a cada modificação ou ajuste no tratamento, deve-se realizar uma nova EDA com biópsias e aplicação da classificação EREFS em 8 semanas.

5.1 Terapia Medicamentosa

Os inibidores de bomba de prótons (IBPs), além de tratar o refluxo gastroesofágico concomitante, possuem efeito anti-inflamatório direto sobre a mucosa esofágica ao inibir a produção de eotaxina-3, sendo eficazes em cerca de 50% dos casos. Os corticosteroides tópicos, como budesonida e fluticasona em formulações orais, são amplamente utilizados, promovendo remissão histológica em até 70-80% dos pacientes (Dellon e cols., 2018).

O advento do dupilumabe, um anticorpo monoclonal que bloqueia a via IL-4/IL-13, representa uma inovação no manejo da EoE. Estudos recentes mostraram que o dupilumabe melhora tanto os sintomas quanto os parâmetros endoscópicos e histológicos, sendo particularmente útil em casos refratários (Hirano e cols., 2020). Essa medicação foi aprovada pela Anvisa para uso no Brasil em 2023.

5.2 Dietas de Eliminação

As dietas de eliminação são eficazes na redução da inflamação esofágica ao identificar e excluir alimentos desencadeantes. A dieta empírica dos seis alimentos (leite, trigo, ovo, soja, amendoim/nozes e frutos do mar) é considerada padrão-ouro, com taxas de remissão histológica superiores a 70%. Alternativas menos restritivas incluem dietas com eliminação progressiva. Apesar da eficácia comprovada, a adesão pode ser limitada pela complexidade das restrições alimentares.

  1. Dilatação Endoscópica

A dilatação endoscópica é uma ferramenta terapêutica essencial, especialmente em pacientes com estenoses fibroestenóticas ou esôfago de calibre reduzido. Apesar de não tratar a inflamação, a dilatação alivia os sintomas de disfagia e impactação alimentar, melhorando significativamente a qualidade de vida.

6.1 Momento Adequado para Dilatação

A dilatação deve ser considerada em pacientes com EEo que apresentam:

  • Estenoses esofágicas documentadas endoscopicamente;
  • Disfagia persistente, mesmo após controle inflamatório com terapia medicamentosa ou dietética.

Embora a dilatação seja geralmente eletiva, pode ser realizada em situações de emergência, como impactação alimentar. Nesses casos, devem ser evitadas na área da impactação para minimizar o risco de complicações locais (ASGE, 2022).

6.2 Risco de Perfuração

Historicamente, havia preocupação com o risco aumentado de perfuração devido à fragilidade da mucosa em pacientes com EEo. No entanto, estudos recentes demonstram que a dilatação é segura, com taxas de perfuração similares às observadas em outras estenoses benignas do esôfago (0,3%-0,4%) (Moawad e cols., 2017; Dougherty e cols., 2017). A segurança é ainda maior quando as dilatações são realizadas gradualmente, com incrementos de 2-3 mm por sessão.

6.3 Técnicas e Instrumentos

As técnicas mais utilizadas incluem:

  • Bougies (Savary-Gilliard ou Maloney): proporcionam feedback tátil ao endoscopista e são ideais para estenoses mais rígidas.
  • Balão através do endoscópio (Through-the-Scope Balloon): permite visualização direta durante a dilatação e é preferido em estenoses complexas ou proximais.
Ambas as técnicas são igualmente eficazes e seguras, sendo a escolha baseada na preferência do endoscopista e nas características da estenose.

6.4 Alvos Terapêuticos

O objetivo da dilatação é alcançar um diâmetro luminal mínimo de 15-18 mm, suficiente para aliviar os sintomas de disfagia. Em casos de estenoses acentuadas (<10 mm), múltiplas sessões podem ser necessárias para atingir esse alvo sem aumentar o risco de complicações (Richter e cols., 2015).

  1. Conclusão

A abordagem endoscópica da esofagite eosinofílica (EEo) requer a integração de ferramentas diagnósticas e terapêuticas para garantir o manejo ideal da doença. É essencial reforçar a aplicação sistemática do EREFS para avaliar a resposta terapêutica e orientar intervenções subsequentes. A dilatação endoscópica, quando indicada, deve ser realizada sem atrasos desnecessários, utilizando técnicas seguras para alcançar um diâmetro luminal adequado (15-18 mm), promovendo alívio sintomático e prevenindo complicações. A adoção dessas práticas contribui para um manejo eficaz e personalizado da EEo, melhorando os desfechos clínicos e a qualidade de vida dos pacientes.

  1. Referências bibliográficas

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